quarta-feira, 15 de julho de 2009

Elis, década de setenta

Estou em Curitiba, deitado na cama com o latop no colo e as luzes apagadas, vendo vídeos de música. Trouxe o DVD do programa Ensaio gravado com Elis Regina em 1973, para aliviar o tédio de ficar sozinho num quarto de hotel de uma cidade distante. Uma das coisas que mais me entretêm é observar que meus ídolos são gente como a gente, é descobrir suas pequenezas, suas baixezas, suas loucuras. Os discos da Elis sempre me inspiraram um respeito quase sagrado e inconscientemente me traziam a certeza de que ela tinha uns mil anos de existência. Mas assistindo ao vídeo eu me lembrei de que ela era uma menina. Aliás, uma menina antissocial que falava pra todo mundo o que dava na telha, que criou encrenca com um sem número de pessoas. Nunca ouvi ninguém falar bem dela, exceto musicalmente. Ela seria, assim, um Paulinho da Viola às avessas, em termos comportamentais. Por outro lado, quando cantava, o planeta desacelerava um pouquinho. A Elis foi um acontecimento, uma grande concentração de energia, um acúmulo de vários eventos estatisticamente improváveis.
Para mim, a década de 70, em especial o seu início, foi o momento mais profícuo de vários dos nossos maiores artistas, além da própria Elis: Baden Powell, Maria Bethânia, Paulinho da Viola, Chico Buarque, Tom Jobim, Milton Nascimento, Edu Lobo, Nana Caymmi - todos estavam produzindo no cerne da arte. A música dessa época era também cheia de símbolos e significados obscuros. Acho que a gente poderia ter ficado umas três décadas na década de setenta. Depois disso já não sei bem o que aconteceu, parece que ficamos espremendo um resto de suco pra tentar estender uma coisa que já tinha acontecido. Não tem problema, o importante é que agora temos o material e a referência.
Estão dizendo por aí uma coisa que me põe medo: que a era da canção tal como a conhecemos está acabando. Não sei muito bem o que isso significa, mas acho que querem dizer que as pessoas estão se desinteressando por aquela música amarradinha, de 3 a 5 minutos, com começo, meio e fim, refrão, letra e melodia, tudo misturado com um monte de sentimentos. Parece que sim. Mas o que vem depois? A música eletrônica, contínua, repetitiva? Acho que isso seria uma involução. A canção é muito mais rica em elementos, mais capaz de recriar experiências para o ouvinte do que a música eletrônica. Honestamente, não sei o que mais de diferente está acontecendo no mundo da música. Às vezes acho que não está acontecendo nada. Acho que é o momento de pararmos e prestarmos homenagem a tudo o que foi feito até agora. Que tal olharmos para trás para fazer um balanço do que foi deixado pra gente?
Para fechar, posto uma letra de música do Erasmo Carlos, gravada pela Nara Leão na década de setenta. Vale à pena conferir um vídeo desta música no seguinte endereço: http://www.youtube.com/watch?v=glIda5l3i1o

Meu Ego
Erasmo Carlos

Por favor, meu ego
Não dê força ao prego
Que nos põe contra a parede
Pra nos afogar de sede
Chove, chuva
Na sua boca, você não bebe
Há palavras, existem letras
Mas você não forma
As frases loucas
Que cultiva por aí
Fale pelos cotovelos
E pelos joelhos
Me critique sem razão
Se omitir não vale a pena
Mas não polua minha cultura
Não venha dividir
Comigo sua auto-censura
Me desencontre
Não me prostitua
Senão
Seremos mais uma carcaça
Em desgraça
Por aí