domingo, 28 de dezembro de 2008

Paulinho César Pinheiro

Paulo César Pinheiro é um dos maiores letristas da história da música popular brasileira. Ele tem colaborações com os mais diversos músicos: Dori Caymmi, Tom Jobim, Edu Lobo, Sueli Costa, Ivan Lins, Guinga e muitos outros. Hoje redescobri uma pérola sua em parceria com Baden Powell, chamada "Refém da Solidão". Aí vai a letra:

Refém da solidão
(Baden Powell e Paulo César Pinheiro)


Quem da solidão
Fez seu bem
Vai terminar seu refém
E a vida pára também
Não vai nem vem
Vira uma certa paz
Que não faz nem desfaz
Tornando as coisas banais
E o ser humano incapaz de prosseguir
Sem ter pra onde ir
Infelizmente eu nada fiz
Não fui feliz nem infeliz
Eu fui somente um aprendiz
Daquilo que eu não quis
Aprendiz de morrer
Mas pra aprender a morrer
Foi necessário viver
E eu vivi
Mas nunca descobri
Se essa vida existe
Ou essa gente é que insiste
Em dizer que é triste ou que é feliz
Vendo a vida passar
E essa vida é uma atriz
Que corta o bem na raiz
E faz do mal cicatriz
Vai ver até que essa vida é morte
E a morte é
A vida que se quer.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Uma Capivara em Cotia

Passamos o Natal em Cotia: eu minhas irmãs, meu cunhado Ricardo, minha mãe e meu padrasto. Minha mãe preparou tucupi, arroz, salada de grão de bico e de maionese, purê de maçã, peru e umas cositas más. O peru estava meio pequeno e minha mãe disse que era um frango bombado, na verdade. Bem poderia ser um peru japonês. De sobremesa teve brigadeiro, mousse de maracujá e panetone. Tudo uma delícia. Hoje de manhã, na ressaca da orgia gastronômica, minhas irmãs foram comprar pão na padaria e se depararam com uma cena singular: uns policiais na rua enjaulando uma capivara perdida na estrada. A cena inspirou a Julia e eu a compormos uma canção infantil, que ficou assim:

Uma Capivara em Cotia
(J. Bacellar, J. Bacellar)

Hoje aconteceu uma coisa rara
Eu ia comprar pão com a minha irmã Lara
Eu vi a polícia com uma jaula
Prendendo em Cotia uma capivara.

Veja que coisa engraçada
Natal em Cotia e vi uma capivara
É que em Cotia não tem cotia
Porém
Capivara tem!

(assovios)

Solta, solta seu guarda
Solta em Cotia essa capivara
(CORO)
Solta, solta seu guarda
Solta em Cotia essa ave rara

O guarda me respondeu
-Seu doido! Capivara não voa.
E você que tá por aí à toa
Entra no carro e sai numa boa.


2a parte:

Gosto muito de te ver, capivara
Se banhando na lama
Gosto muito de você, capivara.
Para desentristecer, capivara
O meu coração tão só
Basta eu encontrar você, em Cotia.

Um filhote roedor,
Rato mas qual rã.
Tartaruga ou javali, não dá rima
Cuidado com esse anzol
Sóbrio pescador
Capivara é irracional
Vem e créu!

Gosto de te ver ao sol, capivara
De te ver entrar no lago.
Se tem perto predador, corra e suma.


A segunda parte, como se pode perceber, é uma paródia do Leãozinho do Caetano, que inserimos na forma de medley. A gente até gravou, qualquer dia eu coloco no Youtube. Quero aproveitar para desejar um Feliz Natal para todas as famílias de capivaras do mundo, e me despeço com essa fotinho:


sábado, 6 de dezembro de 2008

Final de semana passado fui para Belém para o aniversário de oitenta anos da Vovó Fernanda. A família praticamente inteira compareceu, contando, inclusive, com a ilustre presença de tio Guilherme e sua pequena cria portuguesa, Naiana. A festa foi muito bonita, e teve algumas performances musicais e teatrais dedicadas à vovó. Projetaram em um telão uma apresentação com fotos e uma narrativa da trajetória da portuguesa que veio ainda jovem para o Brasil, e se casou com o português Fernando Nascimento via procuração: ela em terras amazônicas e ele em terras lusitanas. Eu tinha a intenção de cantar uma canção do Chico Buarque na festa, que julguei apropriada por fazer uma ponte entre Portugal e Brasil, chamada "Fado Tropical". Acabei não cantando porque me emocionei com a vovó cantando um fado a cappella, de um jeito que só ela sabe fazer. Não sei se porque é minha avó, mas ela cantando fados é uma das coisas mais bonitas que já ouvi. Segue aqui a letra da canção do Chico, em homenagem a Dona Fernanda:

Oh, musa do meu fado
Oh, minha mãe gentil
Te deixo consternado
No primeiro abril
Mas não sê tão ingrata
Não esquece quem te amou
E em tua densa mata
Se perdeu e se encontrou

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal


"Sabe, no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo...(além da sífilis, é claro)
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar
Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora..."

Com avencas na caatinga
Alecrins no canavial
Licores na moringa
Um vinho tropical
E a linda mulata
Com rendas do Alentejo
De quem numa bravata
Arrebato um beijo

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal


"Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto

Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto

Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa
Mas o meu peito se desabotoa

E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa..."

Guitarras e sanfonas
Jasmins, coqueiros, fontes
Sardinhas, mandioca
Num suave azulejo
E o rio Amazonas
Que corre Trás-os-Montes
E numa pororoca
Deságua no Tejo

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um império colonial

Na gravação original, os trechos entre aspas são declamados como poesia, ao som do acompanhamento de uma guitarra portuguesa.
Como pode alguém fazer uma música ao mesmo tempo inteligente, hilária e que desvende duas culturas simultaneamente? Chico Buarque, sem formação musical, guiado basicamente pelo instinto, é a síntese da cultura brasileira. Além de ser um gentleman, é claro.
Faço aqui um parênteses: Esta canção foi feita para uma peça teatral escrita por Ruy Guerra e Chico Buarque, chamada “Calabar”, ou “O elogio da traição”. A peça conta um pouco da história do domínio holandês de Pernambuco no Brasil colonial, a partir da traição de Calabar à Coroa Portuguesa. O interessante é que a peça mostra traições em diversas situações, mas nunca toma partido de nenhum dos lados. Sem entrar em maiores detalhes, quero dizer que a trilha sonora da peça é fantástica. Pérolas como “Tatuagem”, “Bárbara”, “Tira as mãos de mim” além, é claro, do “Fado Tropical”, estão lá.
Muito se pode falar sobre Belém: a culinária indígena, a pororoca cultural, as contradições sociais, o desrespeito à natureza, o calor humano. Belém, ao meu ver, é uma cidade inquieta.
Dentro da floresta tropical e dos grandes braços do rio Amazonas repousa uma calma sabedoria. De alguma forma, a magnitude dessas fortalezas inspira nos homens o respeito de uma entidade superior, e não é de se espantar que gere tantas lendas no imaginário popular: o boto, Iara, o muiraquitã. São Paulo, como bom exemplo de metrópole, carece desse tipo de referência. Em todo grande centro urbano, reside o sentimento equivocado de que o homem logrou domesticar a natureza. O norte do país é uma nação que ainda presta reverência à natureza.
A floresta amazônica é uma centelha de inteligência.