Woody Allen tem esta característica apaixonante: todos seus personagens nos cativam. Por mais que errem sistematicamente, sempre nos tocam de alguma forma. Talvez seja esta a intenção de Allen: mostrar que as pequenezas humanas podem ser um lado muito interessante se observadas com cuidado.
Hannah é a filha brilhante de um casal comum. Talentosa e generosa, vira referência na família ao tornar-se uma atriz bem-sucedida. Tem dois filhos com o ex-marido Mickey, personagem de Woody Allen, e é casada com Elliot. Descontente com a auto-suficiência da esposa, Elliot se descobre apaixonado por Lee, sua cunhada, em uma festa de família. Passa então a procurá-la e em seus encontros lhe fala sobre (e veladamente dedica) livros e poemas. Simultaneamente, Lee se vê emaranhada em um casamento morno com um artista mais velho e rabugento, pelo qual já não se sente mais atraída. Acaba se entregando a um romance secreto com o cunhado, sob a promessa de que em breve o mesmo deixaria Hannah. Porém os meses se passam e Elliot não a deixa. Cada vez mais desconfortável com a traição à irmã, Lee se desvencilha de Elliot, sob o argumento de que a relação entre ele e Hannah não terminara verdadeiramente; ele era mais apaixonado do que realmente sabia.
Com histórico de abuso de cocaína e perfil de ovelha negra da família, Holly procura continuamente um trabalho onde consiga ao mesmo tempo satisfação e reconhecimento. No entanto, depende financeiramente da irmã Hannah para conseguir tocar seus empreendimentos. Hannah, que se mostra humilde com respeito a seus próprios talentos e tenta se desvencilhar do papel de heroína que lhe foi concedido involuntariamente, poda as ambições de Holly inconscientemente. Apesar de sua generosidade e estima, Hannah sempre demonstra descrença nos talentos da outra, desencorajando-a de projetos mais ambiciosos. Não obstante, Holly decide se entregar a um novo desejo: ser escritora de roteiros. Alguns meses mais tarde, Holly e Mickey — diretor de televisão — se encontram casualmente e Holly mostra a ele seus escritos. Mickey se encanta e promete ajudá-la a fazer com que seu roteiro seja produzido.
Em paralelo: Após mais uma suposta crise hipocondríaca, Mickey procura um médico e, pela primeira vez, se encontra na iminência de um diagnóstico sério e desta vez real. Quando, após alguns exames, o médico descarta a possibilidade de qualquer fatalidade, Mickey se vê feliz e sai saltitante do hospital. Em menos de um quarteirão, porém, é subitamente assaltado por uma profunda crise existencial. Como poderia habitar um mundo onde a morte é uma certeza e a vida não faz sentido? Com seu habitual humor, Woody Allen trafega então por seus diálogos internos, abordando questões filosóficas sobre a vida. Mickey busca líderes religiosos – da Igreja Católica, Consciência Krishna... – e promete ser um seguidor fiel. Quem sabe até um dia acreditar em Jesus? Detalhe: Mickey é Judeu.
Nestas três narrativas entrelaçadas, Woody Allen relata abertamente a beleza das transformações humanas. Holly se torna uma escritora famosa, Elliot redescobre seu casamento com Hannah e Mickey afinal relembra o sentido de viver. Aquelas pequenezas logo se percebem como caprichos charmosos dos personagens. Através dos olhos e da sensibilidade deste gênio das relações humanas, uma semente já é uma flor antes mesmo de ser plantada.
“O coração é um músculo muito elástico”, diz Mickey, no final do filme, ao se apaixonar e se casar com Holly – irmã de sua ex-mulher.
Que beleza, Mr. Allen!
Em algum lugar em que eu nunca estive, alegremente além
de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto
teu olhar mais ligeiro facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, em algum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa
ou se quiseres me ver fechado,
eu e minha vida nos fecharemos belamente, de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;
nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade: cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira
(não sei dizer o que há em ti que fecha
e abre; só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas
e. e. cummings