(Paulo César Pinheiro - Dori Caymmi)
Êta mundo que a nada se destina
Se maior se faz, mais se arruína
Se mais quer servir, mais nos domina
Se mais vidas dá, são mais os danos
Se mais deuses há, mais são profanos
Estes pobres de nós seres humanos
Êta vida, essa vida de infelizes
Quanto mais coração, mais cicatrizes
Do amor é que a dor cria raízes
De dentro do bem é que o mal trama
Da felicidade cresce o drama
Dessas tristes de nós vidas humanas
Êta tempo que em pouco nos devora
O pavio da vela apagará
Quanto mais se partir tempos afora
Mais nos tempos de agora se estará
E mais tarde quando o tempo melhora
A nossa mocidade onde andará?
Êta morte que acaba tempo e vida
O mundo não conseguiu saída
É o fim mas pode ser o começo
E quem tenta fugir faz sempre o avesso
Que quanto mais vidas se cultiva
Mais a morte alimenta a roda viva
domingo, 27 de dezembro de 2009
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
Nordeste: Despedida
A última parada de nossa viagem de férias foi em João Pessoa, capital da Paraíba. A Silvia já tinha passado um dia por lá antes de descer para Maceió e me encontrar. Ela já havia esfriado minhas expectativas, pois não tinha tido nenhuma impressão extraordinária da cidade. Por esse motivo prolongamos um pouco nossa estada em Pernambuco, onde acabamos ficando pouco mais de metade da nossa viagem, reservando apenas um dia e meio para João Pessoa.
Eu já estive em muitos lugares fantásticos em minhas peregrinações pelo mundo, incluindo locais de natureza espetacular como a Patagônia e cidades belíssimas como Praga. Mas não me lembro de ter ficado tão embevecido como fiquei ao entrar na Igreja de São Francisco, no centro histórico de João Pessoa. A vida nos reserva alguns momentos mágicos, às vezes, nos permitindo estar no local certo, na hora certa. Havia um conjunto de fatores que conspiraram para isso acontecer naquele dia: Uma igreja do século XVI, uma exposição de arte, um céu azul e um ensaio musical. A igreja é parte de um pequeno conjunto de construções, que compreendem um dos mais importantes complexos barrocos do País (segundo tio Google). O convento que deu origem ao complexo começou a ser construído no final do século XVI por frades franciscanos, e a igreja propriamente dita só foi concluída em 1770. O acesso ao Conjunto Franciscano se dá através do centro histórico da cidade, que não tem nada de especial por si só, e a julgar pela fachada da igreja tive a impressão de que a mesma era pequenina e mal conservada. Mas se por sua vista frontal, delimitada por duas muralhas laterais que encerram o adro, acredita-se que a mesma está encravada bem no meio do complexo urbano da cidade antiga, uma vez dentro dela, ao se mirar através de qualquer uma de suas bonitas janelas coloniais, descobre-se que seus muros na realidade escondem uma arrebatadora paisagem bucólica, de campos e rios, que termina num horizonte isento de construções. Desta forma, a igreja é praticamente um forte que se debruça sobre um imenso vale, e sua imponência justifica a influência que a Igreja enquanto instituição sempre exerceu sobre o imaginário popular, pois diante de tamanha grandeza o homem não tem outra opção se não sentir-se pequeno. Existe algo de divino na riqueza dos detalhes do rococó, no posicionamento da igreja sobre o vale e no ambiente sagrado de seus interiores, que demanda reverência.
No entanto, esta não foi minha primeira constatação. Assim que entramos pela porta principal, ouvi um som de música vindo através das paredes e comentei com a Silvia que tinha algum rádio tocando lá dentro, e que certamente aquilo não era ao vivo. Bobagem. Entrei na nave principal e, boquiaberto, me deparei com um grupo ensaiando algumas músicas para uma apresentação. Tratava-se de coisa erudita, música italiana e espanhola, com um grupo de jovens se revezando no canto. Primeiro imaginei que era algum grupo de outro país, mas aí ouvi algumas conversas em português. Perguntei quem eram a um garoto que tirava fotos, e ele me contou que eram alunos ensaiando uma apresentação que valia como nota em uma disciplina de música de câmara da Universidade Federal da Paraíba. Duas cantoras e três cantores. Ponto para a Paraíba! É tão bom ver que as coisas acontecem fora de São Paulo. E lembrar que o talento não escolhe cidade pra nascer.
A música erudita tem um poder que carece na coisa popular. A busca pela técnica perfeita, o esmero com que se trata cada nota, o trabalho de ourives dos compositores são uma apologia à beleza. Eu fui chamado para a música popular por motivos diversos, e não me arrependo dessa escolha, mas precisamos ficar sempre atentos aos ensinamentos que a música erudita traz. Eu acho que o problema de se estudar a música erudita da forma que ela é ensinada atualmente, é que separou-se a performance, ou seja, o estudo da técnica e da interpretação, da compreensão da harmonia. Assim, podemos encontrar grandes instrumentistas que ignoram o significado das notas e dos acordes que tocam em um contexto harmônico. Desta forma, não se desenvolve sua criatividade em termos de arranjos e composição. Ele pode ser criativo nas nuances da interpretação de uma peça, mas é quase um crime negar a essa pessoa uma compreensão mais profunda da peça harmonicamente, o que poderia lhe ajudar a criar suas próprias ideias musicais.
Havia também algumas exposições ótimas na igreja. Coisa contemporânea e coisa mais antiga, mas tudo brasileiro e preferencialmente de artistas locais. Bonecos de barro, quadros e esculturas bem modernas. Não bastasse tudo isso, o tempo, que estava chuvoso ao chegarmos, misteriosamente azulou em menos de hora e abençoou nossa visita ao complexo franciscano.
Estou postando este texto vários dias depois de ter retornado de viagem, mas a impressão que ficou para mim foi a mesma. Deixo uma foto da igreja como recordação.
Eu já estive em muitos lugares fantásticos em minhas peregrinações pelo mundo, incluindo locais de natureza espetacular como a Patagônia e cidades belíssimas como Praga. Mas não me lembro de ter ficado tão embevecido como fiquei ao entrar na Igreja de São Francisco, no centro histórico de João Pessoa. A vida nos reserva alguns momentos mágicos, às vezes, nos permitindo estar no local certo, na hora certa. Havia um conjunto de fatores que conspiraram para isso acontecer naquele dia: Uma igreja do século XVI, uma exposição de arte, um céu azul e um ensaio musical. A igreja é parte de um pequeno conjunto de construções, que compreendem um dos mais importantes complexos barrocos do País (segundo tio Google). O convento que deu origem ao complexo começou a ser construído no final do século XVI por frades franciscanos, e a igreja propriamente dita só foi concluída em 1770. O acesso ao Conjunto Franciscano se dá através do centro histórico da cidade, que não tem nada de especial por si só, e a julgar pela fachada da igreja tive a impressão de que a mesma era pequenina e mal conservada. Mas se por sua vista frontal, delimitada por duas muralhas laterais que encerram o adro, acredita-se que a mesma está encravada bem no meio do complexo urbano da cidade antiga, uma vez dentro dela, ao se mirar através de qualquer uma de suas bonitas janelas coloniais, descobre-se que seus muros na realidade escondem uma arrebatadora paisagem bucólica, de campos e rios, que termina num horizonte isento de construções. Desta forma, a igreja é praticamente um forte que se debruça sobre um imenso vale, e sua imponência justifica a influência que a Igreja enquanto instituição sempre exerceu sobre o imaginário popular, pois diante de tamanha grandeza o homem não tem outra opção se não sentir-se pequeno. Existe algo de divino na riqueza dos detalhes do rococó, no posicionamento da igreja sobre o vale e no ambiente sagrado de seus interiores, que demanda reverência.
No entanto, esta não foi minha primeira constatação. Assim que entramos pela porta principal, ouvi um som de música vindo através das paredes e comentei com a Silvia que tinha algum rádio tocando lá dentro, e que certamente aquilo não era ao vivo. Bobagem. Entrei na nave principal e, boquiaberto, me deparei com um grupo ensaiando algumas músicas para uma apresentação. Tratava-se de coisa erudita, música italiana e espanhola, com um grupo de jovens se revezando no canto. Primeiro imaginei que era algum grupo de outro país, mas aí ouvi algumas conversas em português. Perguntei quem eram a um garoto que tirava fotos, e ele me contou que eram alunos ensaiando uma apresentação que valia como nota em uma disciplina de música de câmara da Universidade Federal da Paraíba. Duas cantoras e três cantores. Ponto para a Paraíba! É tão bom ver que as coisas acontecem fora de São Paulo. E lembrar que o talento não escolhe cidade pra nascer.
A música erudita tem um poder que carece na coisa popular. A busca pela técnica perfeita, o esmero com que se trata cada nota, o trabalho de ourives dos compositores são uma apologia à beleza. Eu fui chamado para a música popular por motivos diversos, e não me arrependo dessa escolha, mas precisamos ficar sempre atentos aos ensinamentos que a música erudita traz. Eu acho que o problema de se estudar a música erudita da forma que ela é ensinada atualmente, é que separou-se a performance, ou seja, o estudo da técnica e da interpretação, da compreensão da harmonia. Assim, podemos encontrar grandes instrumentistas que ignoram o significado das notas e dos acordes que tocam em um contexto harmônico. Desta forma, não se desenvolve sua criatividade em termos de arranjos e composição. Ele pode ser criativo nas nuances da interpretação de uma peça, mas é quase um crime negar a essa pessoa uma compreensão mais profunda da peça harmonicamente, o que poderia lhe ajudar a criar suas próprias ideias musicais.
Havia também algumas exposições ótimas na igreja. Coisa contemporânea e coisa mais antiga, mas tudo brasileiro e preferencialmente de artistas locais. Bonecos de barro, quadros e esculturas bem modernas. Não bastasse tudo isso, o tempo, que estava chuvoso ao chegarmos, misteriosamente azulou em menos de hora e abençoou nossa visita ao complexo franciscano.
Estou postando este texto vários dias depois de ter retornado de viagem, mas a impressão que ficou para mim foi a mesma. Deixo uma foto da igreja como recordação.
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