segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O discurso religioso

Eu me afastei de religiões de uma forma geral em minha vida pela sua escassez de debates que conversassem com meus próprios questionamentos e buscas, e ao mesmo tempo com a problemática e os paradigmas da atualidade. A religião, por ser dogmática, parte do pressuposto de que algumas verdades são imutáveis. Portanto, para aproximar-se dela, é necessário “comprar” um pacote de verdades, que não necessariamente são compatíveis com o conhecimento que acumulamos durante nossas vidas. Pacotes de verdades à parte – pois é possível abstrair ou metaforizar suas mensagens – a religião pode sim desempenhar uma função nobre na sociedade, ao levantar questões éticas e primárias do ser humano enquanto indivíduo e, especialmente, do ser humano enquanto ser social (se é que é possível separar-se completamente uma coisa da outra).
Tudo isso para dizer que hoje me vi contente ao ler um texto na sessão de debates da Folha de S. Paulo, escrito por Francisco Borba Ribeiro Neto*, abrindo uma discussão sobre a fronteira tênue entre o público e o privado e suas implicações na forma em que a política enxerga a religião. Para mim, o texto mostra que a religião possui um talento natural para trabalhar na interface entre questões da alma e questões políticas, da vida prática, sem precisar envolver preceitos que tenham que ser tomados como verdade. Desta forma, o discurso religioso pode passar distante das discussões polêmicas clássicas que já conhecemos. Segue uma seleção dos trechos que achei mais interessantes para refletirmos:

“[...] Religiosidade e crença são grandes formadores da autoconsciência e dos valores morais – marcando nossas posições no mundo, mesmo quando não seguimos os preceitos das igrejas. Ajudam a construir nossa consciência ética individual e coletiva. Desse modo, entram no debate político – o que implica o compromisso com o bem comum, mas não ‘neutralidade’.
“No debate político, a forte oposição ao fator religioso nasce de sua insistência em declarar que público e privado não podem ser separados, como insiste a ideologia moderna. A dominação em nossa sociedade se baseia na crença de que a pessoa tudo pode na vida privada, desde que conforme à ordem pública e ao bem comum.
“Oculta que nossa privacidade é permanentemente invadida e manipulada pelo mercado, pela propaganda, pelas políticas públicas, etc. [...]
“A religião é justamente o espaço em que as éticas privada e pública se encontram, em que o sentido da vida deixa de ser questão individual para ser trabalhado como construção social.
“Por isso, a lógica religiosa questiona e desafia a organização ideal da política moderna, e a presença das igrejas neste cenário – mesmo quando não são fundamentalistas e ajudam na luta pelo bem comum – incomoda tanto. [...]
“A construção do bem comum exige de ambas as partes [religiosos e laicistas] o esforço de se deixar questionar pela outra. A relação entre público e privado é o pano de fundo, pouco expresso, desse debate.”

Concluo fazendo um apelo aos líderes espirituais para que se reciclem e repensem o papel da religião na sociedade. Precisamos de menos verdades e mais referências boas.

*Coordenador de projetos do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

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